segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

CAÇADORA DA NOITE

Noite passada, pelas duas da madrugada, o hipnótico prosar das corujas, grilos e sapos foi interrompido pela latideira angustiante dos meus três sabujos, tinha bicho grande enfurnado no ervaçal, sua ignota presença assanhava a cachorrada, que encurralados na varanda, desdobravam-se em  medonha algazarra, falsa braveza de cão roceiro, mais medo que zanga. Mesmo desestimulado pelo sono e o frio, resgatei os valentões para a segurança de minha casa, antes que derrubassem a porta.

O dia amanheceu com chuva forte, acompanhada por raios e trovões. Ainda degustava meu reforçado café, quando minha esposa, Alice, relatou ter encontrado na varanda, pegadas em barro seco de animal grande, possíveis de uma onça, e ela não estava errada, eram as pisadas de uma pintada, a indesejável visitante da noite passada.

Com a folga do aguaceiro, fomos a chácara do nosso vizinho, seu Pedro, relatar o ocorrido, ele poderia nos orientar melhor sobre o que fazer. Seu Pedro deduziu que eram pegadas de um velho macharrão, grande e manco, o mesmo que devorou um dos seus porcos dois dias atrás, que de tempos em tempos, vem dar o ar da sua graça pelas propriedades da região em busca de presa fácil, doméstica, como uma novilha, potro ou até mesmo um cachorro desajuizado, que decida enfrenta-lo. Sua pata foi dilacerada por uma bala de um velho fuzil Johnson, numa caçada que mobilizou mais de 30 moradores.

Recomendou-me que evitasse sair a noite, manter os cães dentro de casa, portas e janelas bem fechadas, e ao ouvir os esturros da pintada, estourar rojões para afasta-la da propriedade.

Seu Pedro contou-me que cinco anos atrás, um morador de alegrete, em férias por aquelas bandas, desejoso por carne de caça, decidiu fazer uma caçada de espera, tomou uma espingarda pica-pau emprestada e indiferente aos alertas sobre a presença de onças na área, embrenhou-se na mata em direção ao barreiro dos ipês, local predileto dos catetos, pacas e cotias. Era noite sem lua e fria, acomodado numa árvore, bicou sua pinga, enfadou-se com a espera ou a cachaça, e acabou dormindo. Pela manhã, com a demora do seu retorno, os amigos foram procurá-lo e encontraram a árvore banhada de sangue ainda fresco, o seu corpo dependurada na "espera", entravado pelos seus galhos. A onça estraçalhou partes da cabeça, barriga e pernas. O caçador dormia bêbado quando foi surpreendido pelo ataque do felino e não teve nenhuma chance de reação.

Penalizados e ávidos por justiça, um grupo de moradores iniciou uma caçada que durou dois dias. Mais farra que caçada, Foram abatidas três onças pintadas e uma onça-parda, além de catetos e pacas, torrados em churrasco com cachaça. Seu Cadu, ex-fuzileiro, já falecido, foi o autor do tiro que coxeou o animal.

Segui as orientações do Seu Pedro, e a onça acabou desistindo dos nossos roceiros.